Esta
reportagem foi integralmente retirada de uma revista Motojornal dos
anos 90. O texto é da responsabilidade de Mário Figueiras e as fotos de
Rogério Sarzedo e Arquivo Motojornal.
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Projeto nacional
Poderão
ser cada vez menos os ciclomotores Casal em circulação no nosso país,
mas esse facto não apaga da memória da maior parte dos amantes das duas
rodas a importância e a notoriedade que a marca alcançou entre nós e até
no estrangeiro, como facilmente poderão verificar se fizerem uma
pesquisa num motor de busca.
A
Casal foi o orgulho nacional, a única fábrica 100% portuguesa de
produção de motores e veículos, capaz de ombrear com o melhor que a
indústria do sector apresentava a nível internacional e com uma
capacidade de fabrico instalada que a colocava também como uma das mais
importantes da Europa.
Por
isso foi a peça chave para a reorganização do sector no nosso país,
charneira para as tentativas de sobrevivência que se estudaram quando a
actividade de construção e montagem de motorizadas entrou em declinio, e
não seria de todo aceitável fazer qualquer trabalho de levantamento
histórico sem ouvir as palavras do homem que esteve na origem de tudo.
João
Casal foi um visionário, um pioneiro em diversas àreas e em especial na
aposta na formação profissional, e este documento é também um tributo
ao seu papel no desenvolvimento do tecido industrial português ao criar
uma fábrica com tecnologia de ponta que durante anos foi exemplo para
outros empreendedores e motivo de visita de inúmeros técnicos, alunos e
professores na àrea da metalomecânica, gozando de um estatuto especial
não só junto do estado, mas também do sector financeiro, que sempre
abriu as portas às ideias deste aveirense.
Mas
João Casal manteve-se ligado à terra, à familia e aos amigos, iniciando
com a maior das naturalidades uma conversa que, dolorosamente, o fez
transportar ao passado e que nos permitiu conhecer parte do empresário
que ainda hoje, se tal fosse possível, gostaria de continuar a colocar
em prática as suas ideias.
João Casal- Eu
comecei com um armazém de cereais e mercearias, mas estive lá pouco
tempo. Antes disso fui factor de caminhos de ferro mas depois a malta,
pensando que os factores eram individuos que tinham muitos contactos com
pessoas dos negócios, convidou-me para ir para lá.
O
primeiro negócio que fiz para eles, ainda como factor, deu grande
resultado, de modo que fui logo convidado a entrar, tendo começado pela
exportação de cereais, actividade que me levou a visitar clientes lá
fora.
Aí
arranjei uma grande quantidade de representações, em especial de
máquinas, pois estávamos no pós-guerra e a dinâmica de reconstrução era
brutal. Estive em Itália, na Suíça e depois quis fazer um acordo com os
meus sócios onde eu ficava com o negócio das importações e exportações e
eles ficavam com as mercearias, embora fosse tudo da mesma casa; mas
não quiseram e então eu fui-me embora.
De
seguida dediquei-me logo ao ramo e fiquei com algumas das
representações, incluindo a Zundapp, um grande fabricante alemão de
bicicletas, motorizadas e também motos. Dei-me bem com aquilo mas
importávamos quantidades de tal maneira avultadas que o governo começou a
pressionar-nos, pois aquilo que se fabricava cá quase não tinha
expressão.
Em
Portugal não se fabricavam motores, montavam-se, mas eles queriam
proibir a importação dos outros, para ficarem com o exclusivo. Então o
governo chamou-me e disse: "Sr. João, tem que pedir à sua representada
para fazer cá os motores. Vocês importam tantos motores que isto não
pode continuar assim, pois é um desgaste muito grande para a nação."
E assim fiz.
Motojornal- Mas na altura, para além dos motores, também importava máquinas completas.
J.C.- Sim,
é um facto, e para além disso também vendia motores a outros
montadores, fabricantes de quadros, como a Sucena ou a Vilarinho Moura, e
essa actividade dava emprego a muita gente.
Mas
conseguimos acertar tudo com os Alemães e fomos para a frente com a
fábrica. De início a Zundapp não queria, mas eu já tinha chegado a
acordo com o director técnico deles, o engenheiro Robert Zipprich, e com
a ajuda total por parte do Banco Portugûes do Atlântico, na pessoa do
engenheiro Meireles, que me colocou tudo à disposição, avançámos
É claro que isto é uma versão muito resumida dos acontecimentos, mas foi de facto assim que as coisas se passaram.
A Influência Alemã.
M.J-Podemos
então concluir que toda a tecnologia utilizada não só na concepção dos
motores Casal como a própria instalação da fábrica foram influenciadas
pela Zundapp.
J.C- Esse
ex-director técnico da Zundapp montou tudo e trouxe com ele mais dois
ou três técnicos Alemães. Um montou a escola de formação e outro também
era engenheiro e foi para a secção de desenho onde acabou por projectar o
nosso motor, naturalmente inspirado nos projectos Alemães, mas com
algumas alterações, em especial na transmissão, pois eu próprio pedi que
os carretos fossem reforçados - o pé português era um bocado menos
"sensivel".
Montámos
uma fábrica "catita", muito melhor até do que a da própria Zundapp,
com maquinaria toda nova e conceitos de produção mais modernos.
M.J- Na altura o objectivo era apenas fazer motores ou também já tinha pensado em contruir a máquina na totalidade?
J.C.-
Tinhamos planeado isso e produzimos várias motorizadas e motos, como
todos sabem, mas o grande objectivo eram os motores, essa foi sempre a
nossa principal aposta.
Frases Chave:
Ao
longo da nossa conversa, mantida sempre num tom algo vago relativamente
aos detalhes de todo o processo que levou ao declinio e consequente
encerramento da Metalurgia Casal, João Casal foi soltando algumas
afirmações que, apesar de colocadas por vezes em contextos diferentes,
reunidas podem dar uma ideia mais clara do homem que teve nas mãos o
mais importante projecto nacional do sector. Conotado, devido ao apoio
que obteve do governo de Oliveira Salazar e das elites financeiras da
época, com o regime fascista, João Casal distancia-se no entanto dos
ideais do Estado Novo e lança mesmo algumas ideias progressistas,
valores que se adaptam perfeitamente à sociedade aberta e democrática
que hoje vivemos.
Apesar
de ter privado com membros do governo e de ter sido mesmo convidado a
frequentar a residência do chefe do governo, quando surgiu o projecto de
construção de um automóvel, João Casal sempre foi respeitado pelos seus
trabalhadores, a quem permitiu grande competitividade na mobilidade
laboral a que foram obrigados durante o processo de encerramento da
Metalurgia, tendo sido encorporados em unidades industriais vizinhas que
reconheceram as suas elevadas qualidades profissionais, resultado da
grande aposta de João Casal, a formação profissional.
Toda
a sua estratégia de desenvolvimento orbitava em torno deste conceito e
bem se pode considerar como um visionário ao ter construído de raiz, na
própria Metalurgia, uma escola de formação que criou alguns dos melhores
operários que ainda hoje a região de Aveiro conhece.
Fiquem então com algumas frases do homem que ousou fazer melhor que alemães e japoneses.
"As
fábricas estão quase todas na falência e os empresários não sabem. Os
trabalhadores não estão formados, preparados, mas o operário português é
tão bom ou melhor que os outros e gosta de aprender."
"A
formação profissional é o segredo e até mesmo para a evolução do
individuo a outros níveis. Até mesmo em casa, nas áreas domésticas, as
pessoas tornam-se mais exigentes."
"Voltava
a fazer tudo como fiz, mas se soubesse que o 25 de Abril seria como foi
mudava alguma coisa. Teria posto algo de lado para investir depois. Se
recebesse o Euro Milhões o meu sonho era montar escolas de formação em
todas as àreas. Punha o país todo limpinho em cinco anos. Eu vi isso em
apenas três anos com a nossa escola."
"Toda
a gente ainda me conhece. Cheguei a resolver problemas pessoais em casa
dos empregados e se calhar por isso sou o único homem vivo aqui em
Aveiro que tem o nome numa rua, Foram os operários que tiveram essa
ideia e a propuseram à Cãmara."
"É
aviltante um patrão servir-se de uma empregada porque ela precisa de
emprego. Se tiver formação vai-se embora e procura outro trabalho."
"Ninguém
é mau, são é mal formados. O homem tem que ser ensinado com paciência;
pela baioneta, pela prisão não vai lá. A inveja não é perniciosa, mas o
invejoso é."
"Estou bem comigo próprio e só tenho pena que Portugal não dê a volta."
"O
Salazar pecou numa coisa que foi não ter instituído um regime de
mudança. Ele deveria ter feito o 25 de Abril mas pensava que durava toda
a vida; devia saber que não podia continuar para sempre. Foi o que o
Franco fez- os espanhois tem outra capacidade."
"Tenho
pena de ter nascido tão cedo. Gostava de ter nascido pelo menos 20 anos
mais tarde. Sou um homem vulgar e procuro viver para a familia. Talvez
tenha apreendido com os alemães, mas também sou um homem um bocado
frio."
"O meu trabalho era fazer uma fábrica de homens e não uma fábrica de motores."
M.J.-
A Metalurgia Casal foi uma unidade de referência mesmo a nível
internacional. Quando projectaram a fábrica, que capacidade de produção
foi definida?
J.C-
Nós já tinhamos uma ideia muito clara do mercado, pois fomos estudando o
seu potêncial enquanto importadores de motores. Comprei à Zundapp, de
forma um bocado sub-reptícia, uma quantidade enorme de motores, com a
ajuda do BPA, naturalmente, que me deu para vender durante dois anos, de
tal maneira que já tinhamos o nosso e ainda vendia, em paralelo, o
Zundapp.
Na
altura o mercado absorvia milhares de motores por mês e nós chegámos a
produzir 70 a 80 por dia. É certo que também faziamos motores mais
pequenos para a agricultura mas eram poucos, o grosso era destinado às
motorizadas.
Nós Chegámos a ter 1200 empregados e exportávamos em larga escala, até para a Alemanha.
Depois veio o 25 de Abril e....
M.J.- Esse foi claramente o ponto de viragem, o motivo para o declinio da Metalurgia Casal.
J.C.- A
Suéçia, a Alemanha, e outros países, não suportavam aumentos de mais de
três por cento ao ano e aqui os salários e a inflação subiam 20 e 30%,
pelo que nós começámos a ter prejuizo pois não conseguiamos reflectir no
preço final dos produtos o aumento dos custos de produção. A partir daí
foi o que se sabe..
M.J.- Nota-se uma certa mágoa nas suas palavras.
J.C.- É natural e foi por isso que eu disse ao João (n.d.r. neto de João Casal, através de quem iniciamos os contactos para a realização desta entrevista) que não queria falar sobre o assunto. (pausa)
Mas
não foi só esse o problema do 25 de Abril. A determinada altura
começaram a criticar-me porque diziam que eu tinha tudo na mão, mas quem
me conheça sabe bem que não foi nada assim.
E
não fiz mais porque não me deixaram e ainda hoje, se pudesse, lá ia. O
indivíduo parado não é nada, pode ter muito dinheiro mas se não fizer
nada de que vale? Desculpem-me as palavras e eu não quero ofender
ninguém, mas quem está parado e tem capacidade para fazer algo não passa
de um monstro, de uma montureira.
A relação com a HUVO.
A
competição também foi um dos vectores de actividade da Casal, não de
forma directa, mas através dos especialistas holandeses da HUVO, que
tiveram a seu cargo o desenvolvimento dos motores nacionais. A relação
entre estes preparadores começou com o interesse demonstrado pelo
importador da Casal para a Holanda, " foi ele que teve a ideia de se envolver na competição", referiu João Casal. "Eu
não me recordo muito bem de alguns pormenores, pois na altura estava
muito dedicado à parte comercial e foi o nosso director técnico que se
envolveu neste assunto, mas lembro-me da vontade do nosso importador em
fazer ele próprio motores para correr, mas como os homens da HUVO tinham
mais experiência e conhecimentos, acabou por se envolver com eles.
Depois
vieram para cá, para a fábrica e passavam ali os dias, a estudar e a
modificar os nossos motores. A própria Mahle, a quem comprávamos os
êmbolos e os segmentos, também se envolveu neste projecto, pois nós
éramos um cliente de peso - na altura comprávamos qualquer coisa como 70
000 êmbolos por ano!"
O sector em Portugal.
M.J.-
Mas o 25 de Abril não pode explicar tudo, especialmente quando tentamos
perceber o declínio de todo o sector no nosso país. Teria havido um
excesso de confiança nos tempos áureos que depois resultou num exagero
de marcas e numa capacidade de produção muito excedentária?
J.C.- Até
ao 25 de Abril estava tudo bem. Nós combinávamos todos o que tinhamos
de produzir e se havia excedentes facilmente eram canalizados para o
exterior e até para África, onde vendiamos bastante.
M.J.-
Numa entrevista recentemente efectuada por nós a um dos fundadores da
Masac, ficou de facto claro que havia uma boa relação entre os
fabricantes nacionais, não só entre a Casal e a Masac, mas também com a
SIS e a Famel, que entretanto ficou com a importação dos motores
Zundapp.
J.C.- Sim,
é verdade. Nós tinhamos reuniões com alguma frequência onde até
discutíamos os preços e colocávamos as cartas na mesa. Havia
entendimento e todos viviam sem problemas- os lucros não eram exagerados
mas as empresas tinham boa saúde.
Nós,
por exemplo, tivemos um lucro de 7500 contos em 1973, valor que na
altura representava bastante. Em 1975 tivemos 11 000 contos de
prejuízo...
Quem é João Casal?
Nascido
no lugar do Bonsucesso, freguesia de Aradas, nos arredores de Aveiro,
em 1922, João Francisco do Casal foi o terceiro filho de Júlio Francisco
do Casal e de Silvina Simões Morgado, tendo iniciado o seu percurso
como factor dos caminhos de ferro em Peso da Régua, ocupação que
abandonou em 1956, a convite de António Marabuto, com quem viria a
fundar a sociedade Marabuto, Casal & Madail, Lda, dedicando-se ao
comércio de mercearias.
Posteriormente,
através da sua actividade, encetou conhecimento com a Abel Pereira da
Fonseca, empresa que lhe permitiu desenvolver novos métodos de trabalho e
uma perspectiva mais cosmopolita do negócio, mas a grande transformação
da sua vida terá ocorrido quando começou a contactar de perto com os
alemães e toda a sua dinâmica de reconstrução, no início da década de
50. Nas suas regulares visitas a este país, o empresário encetou
negociações com a Zundapp-Werke GMBW que procurava um representante em
Portugal para os seus produtos, e foi então que, por impossibilidade da
anterior firma, João Casal funda a Sociedade de Mercearias do Vouga e a
J. Casal.
Agora,
prestes a completar 85 anos, João Casal é ainda um homem com uma visão
muito próxima da realidade e com uma capacidade de raciocínio
perfeitamente em linha com a sua cuidada aparência, resultado da prática
regular de actividade física, como referiu: "Este ano já fiz ski
quatro vezes e gostava de praticar até aos 90 anos. Tenho muita pena de
não fazer surf mas nunca tentei e agora já é um bocadinho tarde para
aprender."
As
más recordações que, de forma visível e apesar da aparente frieza na
expressão, lhe trazem todo o processo que levou à extinção da fábrica
parecem estar bem guardadas num local pouco acessível da sua memória e a
verdade é que seguindo o lema de vida de "nunca falar de tristezas",
João Casal consegue manter uma rotina que faz inveja a muito jovens.
M.J.-
Com o avolumar dos prejuízos e dos problemas, anos mais tarde não
restou outra alternativa senão a venda da Metalurgia, que passou então
para as mãos de um jovem empresário do norte, Paulo Barros Vale.
J.C.- Eu não vendi a fábrica, dei-a! Também não quero falar muito sobre isso. (pausa).
Eu
confiava neles e pensava que iam fazer alguma coisa da fábrica, mas
enganei-me. A Metalurgia Casal tinha uma quota na Veículos Casal,
empresa que também estava quase na penúria por causa da fábrica, e essa
quota de 33% valia qualquer coisa como 900 contos. Fizemos então uma
troca de participações, envolvendo também as acções do meu filho, e o
negócio foi feito sem que eles entrassem com dinheiro.
M.J.-
Nem mesmo com as ajudas que o estado deu e com a construção do
laboratório foi possível trazer a Casal para a rentabilidade?
J.C.- O
laboratório foi uma história complicada...Mas eu não tenho que estar
aqui a falar mal dos homens, só tenho que lhes agradecer pelo facto de
terem ficado com a fábrica.
O automóvel Casal.
Um
dos projectos que mais expectativa causou foi o do automóvel fabricado
pela Casal, ideia que o próprio João Casal lançou em 1969 no seguimento
de uma filosofia que propunha dotar o país de uma fábrica de automóveis e
não de unidades de montagem.
Nesse
projecto havia várias entidades envolvidas, entre elas a Renault que
iria fornecer os principais orgãos mecânicos, e a Schoussons, uma
empresa de Lille que fabricava estruturas e carroçarias para a Renault.
Aveiro
chegou a acolher técnicos das duas empresas francesas para participarem
na eleboração de estudos que posteriormente seriam apresentados à
Secretaria de Estado da Indústria, tendo ficado definido que o modelo
ideal deveria ser algo aproximado aos Renault 15 e 17, sendo equipado
com motorizações de 1200, 1300 e 1600cc. O desenho e concepção do
veículo seriam entregues à italiana Pininfarina e com base nas
discussões em torno do projecto, um dos desenhadores da Casal criou o
esboço que junto reproduzimos e que infelizmente nunca saiu do
estirador, pois apesar de ter sido concedido o alvará para a produção,
diversos factores poderão ter estado na ausência da resposta definitiva
por parte da Secretaria de Estado da Indústria, nomeadamente alguma
pressão que grandes empresas multinacionais terão feito junto do governo
( Fiat, Ford e General Motors, devido aos seus projectos industriais no
nosso país) para impedir a concretização do processo de construção. A
verdade é que uma das ideias que mais mobilizou a opinião pública
nacional acabou por não se concretizar.
Vista geral do complexo da fábrica, unidade de onde saíram inúmeros modelos.
M.J.-Atendendo
ao facto de a Casal possuir uma capacidade produtiva tão elevada e um
nível tecnológico que a colocava em bom plano mesmo a nível
internacional, não teria sido possível dar a volta à questão, numa
altura em que o país já estava mais estabilizado em termos politicos e
económicos?
J.C.- Nós
depois de termos copiado o motor Zundapp fizemos um de seis velocidades
completamente projectado por nós, com alguma colaboração dos irmãos
Villa, uns italianos que queriam produzir o seu próprio motor mas não
tinham capacidade para isso. Acordámos então em fabricar os motores e em
ceder-lhes material para que eles depois montassem em Itália. Esse foi o
nosso melhor motor e ainda hoje se vêem muitos por aí.
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Scooter Carina S170. |
Havia
um problema com uma peça da caixa de velocidades, pois era muito
dificil fazer o mecanismo por causa da sexta velocidade, mas eu
encontrei um alemão em Hamburgo, que trabalhava numa fábrica de limas,
que me disse para ir à Suíça, a uma determinada casa, onde seria
possível ultrapassar a situação. Na altura, a Suzuki tinha um motor
semelhante mas eles faziam a tal peça com frezadoras o que saía muito
caro, mas os suiços fizeram-me uma máquina programável, de grande
precisão, que executava a peça de uma forma incrível. Tinhamos melhor
tecnologia que os Japoneses. Eu andava sempre a pesquisar e mesmo
quando me deslocava para o estrangeiro em trabalho levava sempre comigo
desenhos. Ainda hoje sou um pouco assim- ando sempre à procura de
alguma coisa.
M.J- Não foi então por falta de capacidade técnica que a fábrica não se manteve em actividade?
J.C.- Não. A motorizada deixou-se de vender e por isso não foi possível continuar.
Em
cima, a popular K168 Boss. Em baixo a K556 Magnum, o último produto da
Casal e já equipado com um moderno motor refrigerado por liquido com
admissão por lamelas e arranque eléctrico em opção.
Agradecimentos.
Esta
entrevista não teria sido possível sem a colabração de João Casal, neto
do fundador da Metalurgia Casal e um grande apaixonado pelo
motociclismo, em especial o de velocidade, onde continua a militar
através da sua equipa que este ano faz alinhar novamente José Leite na
categoria mais importante do campeonato nacional.
Perante
alguma resistência inicial, João Francisco do Casal terá aceite o nosso
pedido graças à capacidade de persuasão do neto e nesse sentido o seu
contributo para a realização deste trabalho, que julgamos ser um
documento importante para a história da actividade motociclística em
Portugal, terá que ser recordado.
O
processo que levou ao encerramento da Metalurgia Casal não foi apenas
dificil para o seu fundador e a prova disso é que pouco ou nada restou
dos arquivos da empresa, pelo que fomos obrigados a nos socorrer de
algum material realizado pela própria Motojornal e também ao único
documento que de forma sistemática e bastante completa relata a história
da empresa e do seu fundador.
Manuel
Ferreira Rodrigues foi o autor do título "A Metalurgia Casal, 1964-
1974, elementos para uma cultura de empresa", editado em 1996 pela
Cãmara Municipal de Aveiro já depois de ter sido publicado como separata
da revista Gestão e Desenvolvimento, do Centro Regional de Viseu da
Universidade Católica Portuguesa. Foi graças a este livro, que o próprio
João Casal nos cedeu, que se tornou possível enquadrar este trabalho e
assim contornar algumas naturais dificuldades de posicionamento temporal
devido à distância que separa os acontecimentos e os nosso dias.